domingo, 19 de abril de 2009

Elogio ao amor puro (Miguel Esteves Cardoso)

"Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também" (Miguel Esteves Cardoso).

Fotografia: Dizedores

3 comentários:

  1. O Amor nunca será banalizado pela vida, pelo dia-a-dia, pelo quotidiano...pq é um sentimento mto nobre e igualmente forte q não superando todas as dificuldades vence batalhas e ganha pequenas "guerras", desafiando tantas vezes lógicas impensáveis! Esse é único, é verdadeiro e bastante duradouro...o q vemos hoje em dia é fruto de uma sociedade cada vez mais insaciável pela busca de ter algm, para não se ficar sozinho...até pq é conveniente q se apareça não importa onde com algm, fica bem...e então assiste-se a uma banalização dos sentimentos, não se Ama "está-se enqto vamos satisfazendo as nossas necessidades primárias e de socialização"...e este é o sentimento q prolifera nos sms, nas escolas, nas ruas, nos jardins...no entanto eu ainda acredito no Amor!

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  2. Este senhor... é um senhor! :)
    Sábias palavras, as dele.
    Concordo plenamente, assino por baixo.
    "A vida às vezes mata o amor." Claro que mata. Porque o permitimos, é certo, mas mata. "É uma questão de azar."
    Obrigada pela partilha deste texto tão significativo.

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  3. Sim Sara! É, sem dúvida alguma, um senhor, uma "cabecinha" pensadora!
    Se gostaste deste, irás adorar aquele que colocarei hoje! Fica atenta!
    Beijo

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